segunda-feira, janeiro 25, 2010

Recordando, anos sessenta

Passa-se este episódio em finais do ano de 1967, em pleno Verão, com dois guarda-marinhas do nosso curso mandados regressar a Lisboa, dos Açores.
Tinham estado num patrulha da classe "Maio", no "Brava", cuja guarnição de oficiais era constituída por um capitão-tenente (comandante), um 2º Tenente (imediato), dois guarda-marinhas chefes dos Serviços (Navegação, electrotecnia, artilharia, A/S,...) e um outro oficial subalterno do Serviço Geral oriundo de máquinas (que concorria na escala a divisões mas não fazia quartos à ponte).
Como no regime de navio atracado estavam a 3 divisões (a que concorriam os 2 guarda-marinhas, ambos do CR, e o Chefe de Máquinas), deu-se o caso de os dois guarda-marinhas terem saído de licença na Horta. Tendo regressado juntos a bordo, aí eram aguardados à prancha pelo oficial de dia que com cara de caso lhes mostrou uma mensagem com indicação de terem ambos sido nomeados para um Curso de Fuzileiros Especiais, um terceiro, extraordinário, a realizar adicionalmente nesse ano, em Vale do Zebro. Noutra mensagem, mostrada pouco depois, constava que seriam substituídos por um 2º Tenente (por acaso do curso do Imediato e de voz inconfundível de instrumento musical de sopro) e por um oficial RN, que se apresentariam nos Açores cerca de 15 dias mais tarde.
Contrariamente ao que seria de esperar, a notícia foi recebida por ambos com alguma jovialidade e até alívio dada alguma tensão que se vivia a bordo criada pelo comandante que há muito não embarcava, resultando alguma crispação do seu feitio e insegurança com a inexperiência dos dois jovens oficiais. O período que viveram a seguir, proporcionou-lhes não só a experiência de um reforço ao então Comando Naval dos Açores num exercício de NCSO, mas também uma passagem dos serviços divertidíssima, pela boa disposição alimentada pelo oficial RN e os seus relatos, em especial de aventuras enquanto estudante em Coimbra.
O regresso a Lisboa não podia ter sido mais económico, para a Marinha, aproveitando-se a passagem de duas Fragatas em exercícios por Ponta Delgada e que também regressavam a Lisboa.
Como era procedimento na altura, quem destacava nestas circunstâncias mesmo que com destino à Escola de Fuzileiros, trazia uma guia-de-marcha dirigida à 1ª Repartição da DSP e a apresentação, então no Ministério da Marinha onde a DSP se localizava, era feita de uniforme completo com espada (na ocasião o 5A). Idos da rua à paisana, fardaram-se numa dependência do Ministério e lá foram à Repartição apresentar-se para que se procedesse à troca de guias, recebendo uma para o destino final, já a poucos dias do início do curso. Concluída essa formalidade e já de novo em trajo civil, saco com o uniforme numa mão e a espada devidamente embalada no saco próprio (azul) onde a acomodação do talim e das luvas lhe dá maior volume numa das pontas, saíram ambos a pé pelo portão da Praça do Comércio.
Simultaneamente, duma carrinha fechada ali estacionada, com as portas traseiras entreabertas, sai um fulano que dirigindo-se a um dos guarda-marinhas lhe pergunta:- Oh amigo, quer minhoca?
Apercebendo-se o outro guarda-marinha da situação e da possível origem da confusão, não teve sequer tempo de intervir pois foi outra a interpretação do visado que "adivinhou" haver ali qualquer intenção malévola e lhe respondeu de imediato: -Quero sim senhor, vamos lá ver isso!
Denotando contentamento com a resposta, o elemento civil volta costas e dirige-se logo à carrinha seguido de muito perto pelo guarda-marinha, este tenso, curioso e preparado para o que dali viesse, disposto ao devido correctivo.
Eis que o homem abre completamente as portas traseiras da carrinha e lhe mostra dois grandes sacos em que eram especialmente visíveis na parte superior muitas algas e com um sorriso aberto de quem vislumbrava um bom cliente lhe refere para que não restem dúvidas sobre a qualidade do produto: - Olhe que são boas e frescas as minhocas!
Desfeita repentinamente a má consciência perante o inesperado da cena, empunhando de forma menos visível o saco da espada, lá mastigou uma desculpa esfarrapada de que afinal não ía nesse dia à pesca.

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