Havendo interesse em conhecer melhor o envolvimento dum dos nossos camaradas do CR no processo que originou a Lorcha Macau (que adiante designaremos apenas por lorcha), enviámos à margem Sul, claro que sem ajudas de custo, um dos nossos poucos correspondentes disponíveis para entrevistar o CMG EMQ Ref. (tirocinado) José Matias Cortes (MC).
A Lorcha"Macau" (UAM 202)
Logo após a sua construção, a Lorcha Macau navegou até ao Japão para participar no Festival da Espingarda, na ilha de Tanegashima, onde se comemora todos os anos a chegada dos portugueses ao Império do Sol Nascente, tendo visitado também os portos de Kagoshima, Nagasaky e Omura.
Nos anos seguintes foram efectuadas várias viagens no mar da China, até à Correia, Singapura, etc. Em 1998 foi trazida para Lisboa, onde teve um lugar de destaque na Exibição Náutica da EXPO'98. Nesse mesmo ano foi abatida ao efectivo, por despacho do Almirante CEMA a 28 de Setembro e entregue a título gratuito à APORVELA. Posteriormente foi cedida para a Fundações Oriente.
ENTREVISTA
Parte 1 de 2
Blog – Obrigado por teres aceitado este nosso encontro e, como te referimos, só queríamos falar contigo sobre alguns aspectos duma das Comissões que fizeste. Não sobre a que fizeste num Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE), mas sobre certos aspectos da que cumpriste em Macau.
MC - Como vejo que sabes, estive em Macau de 1984 a 1989 e fui director das Oficinas Navais de Macau. Às Oficinas Navais de Macau competiam a manutenção e reparação das frotas dos Serviços de Marinha de Macau e da Polícia Marítima e Fiscal. Tinham também à sua responsabilidade a manutenção e reparação do Parque automóvel do Estado.
Blog - Qual era o estatuto das Oficinas Navais?
MC - Era um organismo com autonomia administrativa e financeira que tinha que gerar receitas para cobrir as suas despesas, embora tivesse um subsídio fixado anualmente pelo Governo de Macau para cobrir o deficit, ou parte dele, se existisse. Vem isto a propósito da necessidade que eu tinha de angariar obras para as Oficinas dado que tinha um quadro de pessoal administrativo e operário sustentado pelas receitas das Oficinas. Havia ainda a possibilidade de fazer obras para outras entidades, nomeadamente e preferencialmente por via do Contrato de Concessão dos Jogos de Macau para a STDM (Sociedade de Transportes e Diversões de Macau) de Stanley Ho.
Blog – Como é que surge então a ideia da construção dum veleiro?
MC - Foi neste contexto que em Janeiro de 1987 se começou a falar em Macau no âmbito dos Serviços de Marinha e da Direcção dos Serviços de Turismo em construir um navio que à semelhança duma réplica de uma caravela que por iniciativa dos emigrantes portugueses radicados na África do Sul de destinaria a comemorar o V Centenário da Passagem do Cabo da Boa Esperança que se comemoraria em 1988 a partir de Fevereiro na África do Sul, assinalasse a presença de Portugal em Macau e traduzisse de algum modo o panorama naval chinês que havia em Macau.
Blog – Houve assim uma evolução do conceito?
MC - A ideia era então construir uma embarcação que navegando a partir de Macau se juntasse à caravela (Bartolomeu Dias) na África do Sul. Essa ideia não foi considerada politicamente correcta mas pretendia-se construir uma embarcação que pudesse representar Macau no exterior e levasse uma imagem de marca de Portugal - uma embaixadora de Macau sobretudo na Ásia. O junco que com abundância navegava e navega nas águas do Sul da China não tinha nada de Portugal e por isso não foi considerado. Por outro lado as lorchas embora já em desuso nas águas do Sul da China tinham tido uma presença assinalável nos séculos anteriores e eram navios que tinham cascos baseados nas caravelas portuguesas e um aparelho vélico chinês. Havia assim uma mistura que juntava Portugal e a China.
Caro Cortes, interrompemos hoje aqui e se não te importares retomamos amanhã porque me solicitaram um outro trabalho urgente. Certamente com alguma satisfação para alguns dos camaradas que nos lêem, que não aguentam textos muito extensos.