quarta-feira, junho 01, 2016

Poema "Caro Amigo"

Recordando ou lembrando camaradas que passaram ou passam maus e difíceis momentos, por vezes sózinhos, este poema, de António Maria Machado*, fumador compulsivo que contraiu doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) que o obrigava a ventilar e que o veio a incapacitar e conduzir à morte:

CARO AMIGO
Caro amigo, quando puderes vem visitar-me,
no meu clube, um clube de poetas... finalmente!
É um clube selecto, muito fechado,
por acaso até sou o único associado,
pelo mesmo acaso até sou o presidente.

O meu clube não tem local nem espaço,
anda comigo, faz o que eu faço.
É lá que dou à luz os meus poemas,
é lá que passo a noite a ventilar,
é lá que faço castelos no ar.

Tem uma porta que mantenho bem fechada,
e uma janela que abro quando tenho obra acabada,
para os amigos poderem espreitar,
e eu ter o prazer de a partilhar.

Quando puderes e quizeres, bate ao ferrolho,
Eu cá estarei a descansar ou a trabalhar,
a ver o meu mundo, olhos fechados,,
porque o mundo do amor e das memórias
só se vê bem com outros olhos,
os da alma, que estão sempre apaixonados.

Quando vieres abrirei bem os olhos para ver-te
e os ouvidos para ouvir bem a tua voz.
Pois cá no clube  a música é o silêncio,
silêncio que me traz criatividade,
mas não mitiga...ainda aumenta a saudade.

No meu clube só entra quem eu quero
mas para ti as portas estão escancaradas.
Quando vieres, se tiveres sede, traz bebida,
se tiveres fome traz também algum petisco,
pois cá no clube o corpo pouco come, pouco bebe,
e o espírito não precisa de comida.

Traz também alguns amigos divertidos,
daqueles que sabem e dizem muitas piadas,
de preferência que sejam bem apimentadas.
Fazem-me falta umas boas gargalhadas.

Quando vires que semicerro** os olhos
e a voz me começar a fraquejar,
é sinal de que já estou muito cansado,
é sinal de que tenho que ir para a cama ventilar.

Sai sorrateiramente de mansinho,
fecha-me a porta, devagar, devagarinho,
e amanhã, se quiseres podes voltar.
Eu quero.

 Notas:
* Trabalhou na IBM, ex-jogador de golfe ("o mestre"), amigo de camaradas de Marinha jogadores na Aroeira, vizinho e estimado por muitos outros, um dos quais do CR,
** Semiserro no original

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