A década de 60, do século passado, veio introduzir assinaláveis
alterações na pacatez nacional, decorrência natural de uma certa
rotina, social e política, então identificada no percurso da
Europa, rumo ao futuro.
A estabilidade política europeia, apesar da Guerra Fria, ou talvez
por causa dela, assentava, naturalmente, no equilíbrio dos blocos
construídos no pós-guerra e permitia à generalidade dos países
europeus o usufruto de uma confortável paz social, económica e
política, quadro mais bem aproveitado por uns do que por outros.
No concreto ano de 1963, o da entrada do Curso “Miguel Corte
Real” na Escola Naval, registaram-se acontecimentos que, no
futuro, iriam afectar significativamente o percurso de Portugal,
enquanto nação pluricontinental e multicultural: é criada a OUA
(Organização da Unidade Africana), desde logo pondo a tónica no
ataque à realidade do estatuto das nossas então Províncias
Ultramarinas; neste mesmo ano, aliás, inicia-se a luta armada
contra os interesses portugueses na Guiné e em Cabo Verde,
aumentando os problemas do antecedente já existentes em
Angola. É, hoje, claro, que esta dinâmica nacionalista teve a
“bênção” e o incentivo de quem na época, residente em ambas as
margens do mar de Atlas, mandava no Mundo e que terá decidido
ser chegado o momento de a consideração de certas “regras” da
Economia, da Estratégia e da “gestão” dos recursos naturais do
Continente Moreno conhecerem outro paradigma…
Também no plano internacional ocorreu o assassinato do
Presidente dos Estados Unidos - John F. Kennedy, a eleição de
um novo Papa, Paulo VI (que, quatro anos mais tarde, visitaria
Fátima, num quadro de actuação de claro apoio aos movimentos anti - portugueses) e, já no fim do ano, a independência do
Quénia, descolando do Império Britânico, enquanto a Etiópia, uns
meses antes, cortava relações diplomáticas com Portugal. Ainda
por esses tempos, Fidel Castro passava períodos alargados na
URSS, certamente a beber os princípios democráticos ali
reconhecidamente praticados, conseguindo, com pleno sucesso e
que dura até ao presente, a sua aplicação no Estado monárquico
que consolidou, para desespero de alguns ingratos cubanos, na
bela ilha do mar das Caraíbas.
Por cá, dirigentes do Partido Comunista eram presos (mera
rotina, à época); no 1º de Maio, poucos dias após o grande
incêndio que destruiu quase completamente a Fragata “D.
Fernando II e Glória”, ocorriam incidentes em Lisboa, com um
morto. Também se organizaram, no Verão, manifestações
populares e das Forças Armadas, de apoio ao Presidente do
Conselho, tendo as cerimónias militares do dia 10 de Junho, o Dia
de Portugal, tido como palco, pela primeira vez, o Terreiro do
Paço.
E, para completar o cenário, o panorama desportivo de então: no
futebol, ganhava o clube do regime; em hóquei, Portugal era
campeão da Europa e, no ciclismo, o vencedor da Volta, João
Roque, defendia as cores de uma agremiação que, ainda hoje,
pedala, pedala, mas vê as metas cada vez mais distantes…A
norte, o Clube que teria que esperar quase um quarto de século
pelo seu Messias, via inaugurar a Ponte da Arrábida, a maior do
mundo em arco de betão armado e cuja travessia, para disputar
jogos a sul, fez durante décadas tremer gerações de
representantes do Dragão.
É, pois, neste enquadramento que, na 2ª feira, 2 de Setembro,
pouco mais de seis dezenas de mancebos (resultantes de uma escolha que, em anos não muito distantes, era muito mais apurada
e selectiva) se fazem à rampa que na Base Naval liga o Largo do
Palácio à Escola Naval, onde são mandados formar, ainda à
paisana, para identificação e recolha das primeiras instruções. O
ambiente, algo intimidatório (como era suposto ser, numa escola
militar), convidava os neófitos a grande reserva nas atitudes e
nas palavras, para o que a presença do Oficial de Dia, de aspecto
militarão e marcial, frente à formatura, muito contribuía.
Feita a chamada, individual, a que os visados iam respondendo
com a voz o mais firme possível, verificou-se que um de nós não
constava na lista; com ar de poucos amigos, o Oficial pediu-lhe o
documento da identificação da recruta, onde concluiu que o moço
(muito enfiado, objecto de todos os olhares), em vez de se ter
apresentado em Vila Franca, tinha ido ali parar…
Esta cena teve o condão de ainda mais constranger os futuros
CR’s, pelo que quando lhes foi pedido para que quem não fosse
católico, o dissesse, o silêncio foi total, tendo assim o Rebanho
do Senhor, de repente, sido aumentado com todas aquelas
ovelhas, algumas das quais cedo vieram a tresmalhar…
Finalmente, o Curso “Miguel Corte Real” começava o seu percurso
na Marinha: para a maior parte, até ao fim de 1966 na Escola e,
depois, cumprindo décadas de serviço que honrou a Marinha e, de
uma forma geral, encheu de orgulho e de sentido de realização
pessoal todos os que, até ao fim dos seus tempos, serão CR’s pela
escolha que o destino lhes proporcionou.
Manique, Dezembro de 2016
CR 11