sexta-feira, dezembro 01, 2017

Memórias prescritas (1): FSLourenço

O (MEU) INÍCIO DE TUDO, NO PERCURSO CR 
Eram tempos peculiares, aqueles. A guerra, reflectindo os interesses dos poderosos, ganhava corpo nas nossas Províncias Ultramarinas, pondo à prova a capacidade nacional de lhe fazer face, com um sucesso global que, confesso, ainda hoje me provoca marcado sentimento de admiração.
A Índia, o Santa Maria, as posições de alguns actores da cena internacional, dum modo geral convenientemente esquecidos dos seus lamentáveis e pérfidos comportamentos além-fronteiras, constituíam-se como relevantes factores de coesão para a essência da sociedade portuguesa (era rapazola, ainda, estive em Alcântara, sou testemunha presencial do ATA do paquete, falo, assim, não por ouvir dizer).
Era o tempo dos ideais, da ligação entre as pessoas, da música que comandava muitos dos nossos sentimentos, da esperança e da galvanização na construção de um futuro que haveria de, e teria que, valer a pena.
O Maio de 1968 adivinhava-se; enquanto não coincidia com o calendário, construía-se e praticava-se, um pouco por toda a Europa, aqui também.
Concorri à Escola Naval. Não foi, esclareço, a primeira, segunda ou terceira prioridades; foi a única - era o ideal. Reconheço que, hoje, todo o cenário presente na nossa sociedade, nos vectores económico, familiar e social e que envolve a nossa juventude, tem grande responsabilidade, é praticamente decisivo, na atitude individual dos que têm que definir o princípio do resto da sua vida. Mas não posso deixar de pôr, muito, a tónica na violenta e preocupante, pela dimensão e rapidez, perda de referências e valores das actuais gerações, numa Nação secularmente estruturada, muito embora ciclicamente desgastada por inevitáveis períodos de degradação.
Entretanto, cumpri a minha carreira, de mais de 40 anos, na Marinha; não sou muito dado a conceitos de destino traçado, nem a revisões do passado visando identificar erros para recorrentemente lamentar tê-los cometido.
E por isso, o meu balanço definitivo passa pelo orgulho imenso por ter decidido pertencer  a uma Organização que me deu, praticamente, tudo na vida, que me ensinou e trabalhou em mim valores e princípios que tentei, de forma por vezes talvez pouco hábil, passar aos meus descendentes, na esperança de que, por estes assumidos, possam vir a contribuir para contrariar o plano inclinado onde no presente deslizam as nossas raízes, os nossos objectivos, o nosso futuro, como sociedade, como Nação.

2 comentários:

JPVillas-Boas disse...

Caro Lourenço, já passadas 72 da publicação deste teu texto, não queria ser o primeiro a reagir dado ter tido a oportunidade de o ter visto antes dos outros do CR para a preparação do espaço para, neste nosso desnutrido blogue, dar à luz. Gostei muito da tua prosa a que já nos tinhas habituado e do teu relato e reflexões, comungando especialmente da preocupação da actual falta de valores.

JPVillas-Boas disse...

Quando falei em 72 claro que se tratava de horas. E isto antes que o FSL me repreenda.