Anos
60. Anos 70. Anos 80. Anos 90.
Durante
estas décadas, fui muitas vezes ao Ministério – designação de pleno direito,
até meados de 70, depois transmutada, sem efeitos práticos e adesão popular, até hoje, para ICM (Instalações
Centrais da Marinha).
E fui,
mais do que dezenas de vezes, mais do que centenas, milhares. A maior parte,
para lá trabalhar, a maioria das restantes para me encontrar com alguém, da
Corporação, para falar, para conviver, para combinar qualquer coisa, para,
enfim, socializar, como agora parece
que assim é que é correcto dizer-se.
E o
processo da preparação desses encontros era praticamente imutável: um contacto
pessoal prévio ou um telefonema pela rede fixa da Companhia dos Telefones, feito
de casa ou numa cabine pública, por onde passava a frase consagrada por repetida
invocação naquelas décadas de existência de uma Marinha só vagamente parecida
com a da realidade que o País hoje nos oferece
: “ Então, amanhã, às ..h..m, encontramo-nos
na CASA DA BALANÇA”
A Casa
da Balança era, então e como durante mais de uma centena de anos, um local aberto onde os Oficiais se encontravam,
onde muitas vezes ao longo da História se reuniram, onde muitas decisões, da
maior transcendência para a Marinha e para o País, foram tomadas, onde, enfim,
muitas vezes pulsou o coração do Ramo abençoado que escolhemos para servir.
Na
fase em que a conheci e comecei a usufruí-la, enquanto esperava, lia as Ordens,
ali disponíveis em pastas, fazia um telefonema pela Rede Privativa da Marinha,
usava, quando necessário, a casa de banho adjacente.
Um dia,
um chefe – não sei se 3 estrelas, se 2 estrelas, se um largo e três estreitos,
ou menos – mandou fechar a Casa da Balança. Não houve, que eu conheça, qualquer
explicação ou justificação; se calhar, não tinha mesmo que haver, o espaço é
militar, manda quem pode, obedece quem deve.
E
fechou, pronto.
Como
primeira e imediata consequência, a IP
do procedimento de rendez-vous nas agora ICM teve que ser alterada: sem a
Casa da Balança, que era a nossa Bola
Nívea das praias, passou a ser mais difícil ler as Ordens (muitos
perguntarão: para que é que queres ler as Ordens?) e passou a ser necessário ir
aos guardas dos Portões pedir para usar o telefone da Rede da Marinha (diz a
estatística que a maioria deixa, os outros, depende do humor do momento).
Quanto
ao novo local de encontro, ainda hoje não foi eleito, que eu saiba, o sucessor
da Casa da Balança.
Apercebi-me
depois, por ecos da Voz da Abita, que
a decisão tinha sido tomada para reservar aquele espaço, de grande Simbolismo,
História e Tradição, exclusivamente para determinado tipo de cerimónias
oficiais, que até então decorriam em
acumulação com a secular utilização atrás enunciada.
Ao
longo dos anos de interdição, que se
seguiram até ao presente e por dificuldades de compreensão das razões que
estiveram na sua base, fui perguntando, quando surgia a oportunidade, a
responsáveis da Organização (a começar em 3 estrelas e por aí abaixo) o porquê.
E se não era possível reverter esta situação.
Seria
porque a dignidade das cerimónias era afectada pela frequência partilhada? Não
me parece.
Seria
porque os frequentadores degradavam o espaço, limitando-lhe a dignidade e a
história testemunhada pelas paredes
centenárias? Nunca reparei.
Seria
porque sujavam o espaço, não limpando os sapatos à entrada ou atirando lixo pró
chão? Também nunca vi.
Surpreendentemente,
nunca obtive qualquer explicação coerente que sustentasse a decisão há anos
tomada, recebendo quase sempre, para além da compreensão pela minha
incompreensão, a promessa de que estas minhas cunhas (ou lobbies, para ser mais moderno – mas estes, pro bono,
nada de barrosisses duronas) subiriam a quem de direito, para desejável reversão.
O que
ainda não aconteceu.
Ontem,
tive a sorte de poder voltar à Casa da Balança, na cerimónia de entrega de um
Camarada que muitíssimo prezo; pude assim usufruir, por uma vez mais, da
dignidade e nobreza do espaço e – declaração particular de interesse – pude
igualmente ter o meu momento de reflexão e orgulho, encostado ao canto SW da
Casa ( a Meca, o Muro das Lamentações dos Comunicativos Navais), onde há mais de 100
anos a nossa Marinha se tornou pioneira nas comunicações radiotelegráficas
militares, facto assinalado por placa colocada no exacto local desse marcante
acontecimento.
E,
portanto, (como diria um técnico do jogo da bola nacional) vou continuar à
espera. Sentado, que a idade já pesa.
Mas
esperançado.
FSL
28FEV18