quarta-feira, fevereiro 28, 2018

A Casa da Balança


Anos 60. Anos 70. Anos 80. Anos 90.
Durante estas décadas, fui muitas vezes ao Ministério – designação de pleno direito, até meados de 70, depois transmutada, sem efeitos práticos e adesão popular, até hoje, para ICM (Instalações Centrais da Marinha).
E fui, mais do que dezenas de vezes, mais do que centenas, milhares. A maior parte, para lá trabalhar, a maioria das restantes para me encontrar com alguém, da Corporação, para falar, para conviver, para combinar qualquer coisa, para, enfim, socializar, como agora parece que assim é que é correcto dizer-se.
E o processo da preparação desses encontros era praticamente imutável: um contacto pessoal prévio ou um telefonema pela rede fixa da Companhia dos Telefones, feito de casa ou numa cabine pública, por onde passava a frase consagrada por repetida invocação naquelas décadas de existência de uma Marinha só vagamente parecida com a da realidade que o País hoje nos oferece : “ Então, amanhã, às ..h..m, encontramo-nos na CASA DA BALANÇA
A Casa da Balança era, então e como durante mais de uma centena de anos, um local aberto onde os Oficiais se encontravam, onde muitas vezes ao longo da História se reuniram, onde muitas decisões, da maior transcendência para a Marinha e para o País, foram tomadas, onde, enfim, muitas vezes pulsou o coração do Ramo abençoado que escolhemos para servir.
Na fase em que a conheci e comecei a usufruí-la, enquanto esperava, lia as Ordens, ali disponíveis em pastas, fazia um telefonema pela Rede Privativa da Marinha, usava, quando necessário, a casa de banho adjacente.
Um dia, um chefe – não sei se 3 estrelas, se 2 estrelas, se um largo e três estreitos, ou menos – mandou fechar a Casa da Balança. Não houve, que eu conheça, qualquer explicação ou justificação; se calhar, não tinha mesmo que haver, o espaço é militar, manda quem pode, obedece quem deve.
E fechou, pronto.
Como primeira e imediata consequência, a IP do procedimento de rendez-vous  nas agora ICM teve que ser alterada: sem a Casa da Balança, que era a nossa Bola Nívea das praias, passou a ser mais difícil ler as Ordens (muitos perguntarão: para que é que queres ler as Ordens?) e passou a ser necessário ir aos guardas dos Portões pedir para usar o telefone da Rede da Marinha (diz a estatística que a maioria deixa, os outros, depende do humor do momento).
Quanto ao novo local de encontro, ainda hoje não foi eleito, que eu saiba, o sucessor da Casa da Balança.
Apercebi-me depois, por ecos da Voz da Abita, que a decisão tinha sido tomada para reservar aquele espaço, de grande Simbolismo, História e Tradição, exclusivamente para determinado tipo de cerimónias oficiais, que até então decorriam em acumulação com a secular utilização atrás enunciada.
Ao longo dos anos de interdição, que se seguiram até ao presente e por dificuldades de compreensão das razões que estiveram na sua base, fui perguntando, quando surgia a oportunidade, a responsáveis da Organização (a começar em 3 estrelas e por aí abaixo) o porquê. E se não era possível reverter esta situação.
Seria porque a dignidade das cerimónias era afectada pela frequência partilhada? Não me parece.
Seria porque os frequentadores degradavam o espaço, limitando-lhe a dignidade e a história testemunhada pelas paredes centenárias? Nunca reparei.
Seria porque sujavam o espaço, não limpando os sapatos à entrada ou atirando lixo pró chão? Também nunca vi.
Surpreendentemente, nunca obtive qualquer explicação coerente que sustentasse a decisão há anos tomada, recebendo quase sempre, para além da compreensão pela minha incompreensão, a promessa de que estas minhas cunhas (ou lobbies, para ser mais moderno – mas estes, pro bono, nada de barrosisses duronas) subiriam a quem de direito, para desejável reversão.
O que ainda não aconteceu.
Ontem, tive a sorte de poder voltar à Casa da Balança, na cerimónia de entrega de um Camarada que muitíssimo prezo; pude assim usufruir, por uma vez mais, da dignidade e nobreza do espaço e – declaração particular de interesse – pude igualmente ter o meu momento de reflexão e orgulho, encostado ao canto SW da Casa ( a Meca, o Muro das Lamentações dos Comunicativos Navais), onde há mais de 100 anos a nossa Marinha se tornou pioneira nas comunicações radiotelegráficas militares, facto assinalado por placa colocada no exacto local desse marcante acontecimento.
E, portanto, (como diria um técnico do jogo da bola nacional) vou continuar à espera. Sentado, que a idade já pesa.
Mas esperançado.
FSL
28FEV18

2 comentários:

JPVillas-Boas disse...

Visto com agrado. Concordo. À consideração superior.

Cardoso Anaia disse...

Camarada, tens toda a razão, mas tens de encomendar mais que um sofá...