segunda-feira, junho 04, 2018

Nota do Editor do livro "Comandar no Mar"

Do livro amplamente difundido e já de todos os elementos do CR conhecido, não resistimos a divulgar a Nota do Editor, o nosso camarada de Curso HAFonseca:
Nota do Editor
   Julgo que ninguém contesta a importância da figura do “chefe”, qualquer que seja a sua designação em concreto; numa organização será provavelmente, na maioria dos casos, a pessoa de maior relevo.
   O “chefe”, como se sabe, está sempre sob observação; tudo o que faz, ou não faz, é comentado pelos seus subordinados. É quem dá o tom à sua organização, que privilegia uma atitude em relação a outra e os seus subordinados tendem a “alinhar” com ele. Um bom “chefe”- atento, dinâmico, competente, motivador- é um “multiplicador de força”, tira partido dos meios e capacidades da sua organização e obtém bons resultados. Um mau “chefe”, por outro lado, acaba por desperdiçar os recursos em pessoal e material que lhe atribuíram e não cumpre os objetivos que se esperam de si.
    Como referia Camões ... um fraco Rei faz fraca a forte gente, e Napoleão, num registo diferente, dizia ... não há maus regimentos, há maus coronéis. Em perspetivas diferentes ambos acentuam a importância da liderança.
     No mar, um Comandante é ainda mais importante. As guarnições vivem isoladas, dias, semanas ou mesmo meses a fio, nos seus navios, que operam num meio muitas vezes hostil. Uma decisão errada do Comandante, na navegação ou na manobra, pode colocar em risco o navio e todos os que lá estão a bordo; a confiança da tripulação na capacidade profissional do seu Comandante é algo a assinalar e a reter.
   Nestas circunstâncias, se o Comandante é uma figura tão importante, como referimos, há que escolher sempre os mais aptos para exercerem aquele cargo e dar-lhes a melhor preparação possível para o exercício daquelas funções.
  No passado aprendia-se a bordo - a chamada formação on-job - vendo como os nossos Comandantes desempenhavam as suas funções, na maior parte dos casos pela positiva, retendo procedimentos a ter, mas noutros, pela negativa, tomando nota de atitudes a evitar.
  Fui eu próprio Oficial de guarnição numa fragata onde tive dois Comandantes, com estilos de comando diferentes, com quem muito aprendi. Mais tarde, como 1º Ten., comandei aos 24 anos o draga-minas RIBEIRA GRANDE e mais tarde a LDG ARÍETE, na Guiné-Bissau; em Cap-Ten fui Oficial Imediato da fragata ALMIRANTE MAGALHÃES CORREIA e Comandante da corveta AFONSO CERQUEIRA e por fim, fui o primeiro Comandante da fragata CORTE REAL. Em todas as funções de comando fui aprendendo, embora cada navio e cada guarnição tenham as suas especificidades e não haja procedimentos padrão nem receitas definitivas. A dezenas de anos de distância destes meus desempenhos, julgo que posso dizer, sem ser mal interpretado, que fui um Comandante com sorte; mas também posso referir que ter sorte nesta minha acepção, dá algum trabalho e muita preocupação...
     Da minha experiência, se me permitem, gostaria de deixar a quem nos lê duas “dicas”: “pensar em antecipação” e “sentir a guarnição”.
    Como referem frequentemente os anglo-saxónicos, é sempre bom ... keep your options open ... e think ahead ... ou seja, o Comandante tem que estar sempre atento às circunstâncias, da meteorologia à navegação, do Comando superior à sua guarnição, e desenvolver mentalmente planos B, C, etc, antecipando que a situação pode evoluir de forma diferente do previsto, do plano A. A experiência e o bom-senso são aqui muito importantes.
    A outra dica refere-se ao ambiente que se vive a bordo, ao “sentir a guarnição”. Saía eu próprio  com frequência da minha camarinha, passava pela ponte e pelo CO (Centro de Operações) e dava uma volta pelos exteriores do navio, fazendo ... management by walking around. Apercebia-me com facilidade se algo de anormal se passava, do rancho às licenças, pela atitude do pessoal e pelos subtis sinais que nessa altura me enviavam, e que captava; depois, com o Imediato, com os Chefes de Departamento e com o Sargento mais antigo tratava de identificar o problema ... e depois, de o resolver. Aqui também a experiência e o bom-senso são muito importantes.
            Em 2004 e 2005, quando exerci as funções de Comandante Naval, presidi como era costume a dezenas de cerimónias de “entrega de comando” de unidades navais. Pretendi então oferecer algo de pessoal aos novos Comandantes, algo que concorresse também para prestigiar a função e que lhes fosse útil; à falta de melhor, mandei vir dos Estados Unidos, do U.S. Naval Institute, o livro Command at Sea, que oferecia aos Comandantes no fim da cerimónia atrás referida, com uma minha dedicatória. Não era o ideal, mas sim o possível, pois não encontrei entre nós nenhum livro que me parecesse adequado.
 Quando em 2016 editei o livro “Duas Naus, um Cruzador ... e duas Fragatas” achei muito interessantes os testemunhos dos diversos Comandantes que se sucederam no comando do N.R.P. VASCO DA GAMA. Em conversa com o Cte. Orlando Themes de Oliveira, daqui nasceu a ideia de editar um livro tendo como tema o exercício das funções de Comandante, procurando recolher experiências que pudessem ser úteis, suscitando reflexão aos atuais Comandantes em funções e aos Oficiais mais modernos, que mais tarde serão também chamados a funções de comando no mar.
   O livro que tenho o gosto de agora editar recolhe os testemunhos de antigos Comandantes de navios de guerra e de navios da Marinha Mercante, incluindo dois textos assinados por Oficiais da Reserva Naval. Com a ressalva de que sou parte interessada neste projeto, deu-me muito gosto ler estes textos e estou certo de que serão úteis a quem for indigitado para Comandante, permitindo-lhe refletir sobre os diversos aspetos do exercício das funções de comando no mar e mesmo fazer alguma auto formação; eram estes, aliás, os nossos propósitos iniciais. Mas não só ! Este livro será também certamente útil para quem desempenhe funções de chefia ou de comando  nos outros ramos das Forças Armadas e nas Forças de Segurança, e em organizações civis e nas empresas. Desde que exista um chefe, subordinados e colaboradores, e objetivos a atingir, as reflexões que os textos aqui publicados suscitam terão certamente interesse e utilidade.
    Ao Prof. Doutor. João Carlos Espada os meus sinceros agradecimentos pelo seu excelente prefácio, que muito valorizou esta obra.
   Ao Almirante Nuno Vieira Matias e aos demais autores dos textos, o meu muito obrigado pelos seus testemunhos e pela partilha da sua rica experiência de mar com os nossos leitores.
   Ao Cte. Orlando Themes de Oliveira, camarada e amigo de há dezenas de anos e  coordenador desta edição, um sentido obrigado e um abraço de amizade.
   À administração da THALES Portugal e da Edisoft, o nosso reconhecimento pelo patrocínio que generosamente deram e que permitiu viabilizar economicamente a edição desta obra.
   Uma palavra última para a Gráfica Lousanense cuja “tripulação” muito se esmerou em atingir uma produção gráfica de excelente apresentação e muita qualidade.
  Termino com um merecido BRAVO ZULU para os autores dos textos, prefaciador, coordenador da edição e para todos os que de alguma forma contribuíram para a concretização deste projeto.

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