"No passado dia 26 de Março teve
lugar no Clube Militar Naval a apresentação de mais um Livro de Curso, encerrando
as comemorações dos 50 anos de entrada para a Escola Naval, em 2 de Setembro de
1963, do Curso Miguel Corte Real.
A frase acima de mais um Livro de Curso, não está, no
caso presente inteiramente correcta. De facto este livro foge ao formato
tradicional deste tipo de obras, em geral compostas por relatos de episódios e
peripécias vividas na primeira pessoa, e como tal narradas, abrangendo quer o
dia a dia escolar, quer as ocorrências mais significativas de viagens de
instrução, e muitas vezes completadas com textos autobiográficos de percursos
de vida, dentro e fora da Armada, de dimensão, conteudo e discurso forçosamente
desiguais. Desiguais nas vivências e na sua descrição, com a subjectividade do
olhar que a si próprio se contempla no espelho da memória. Desiguais na
construção do texto, no brilho da escrita, na relevância da narrativa.
Este é um livro pequeno, com um design muito cuidado, paginação com
iconografia muito rica e variando de tamanho, cor e temática ao longo dos suas
noventa paginas, reproduzindo momentos, personalidades, documentos e paisagens,
recordações colectivas ou individualizadas. Em papel couché de gramagem de luxo, sobre um fundo de página evocando
motivos náuticos, este livro começa, mesmo que não tivesse nada escrito, por
ser um maravilhoso álbum de fotografias, apelativo não só para os elementos do
CR e seus familiares. Dizendo sempre mais a quem está ou passou pelas fileiras
da Briosa, será também contemplado com agrado por quem não é nem nunca foi da
casa… Resumindo: esteticamente muito bem conseguido.
Posto isto importa uma apreciação
sobre o conteudo.
Primeira
constatação: os textos são da autoria de vários membros do curso, mas não estão
assinados, reforçando a intenção de se entender este livro como sendo do Curso
Miguel Corte Real. Começa por uma Nota de Abertura, com dignidade de um
editorial de que transcrevo uns parágrafos:
Livro de Cursos, mais apropriadamente será, marcos e caminhos percorridos,
factos salientes ou de especial significado, simbolismo, intensidade, actos de
peças que são vidas, imagens paradas de contínuos individuais que se
entrecruzam e onde fomos figurantes principais. Mais adiante: Tal qual a rebentação que vai e vem, assim
no percurso que aqui se recorda, estivemos ora mais próximos ora mais
distantes, mas sempre ligados por essa condição única, imaterial, que se
entranha em nós para sempre, de seremos do mesmo curso, irmanados no botão da
âncora, na condição militar e pelo mar.
Depois
de uma apresentação nominal dos Cadetes do 1º ano do Curso Miguel Corte Real,
segue-se uma cuidada biografia do patrono, com a indispensável referência à
Pedra de Dighton, hoje musealizada, continuando polémica.
Passa-se
a uma análise da época, os gloriosos anos 60, com o título algo evangélico Naquele Tempo, em que são relembrados os
acontecimentos mais relevantes, políticos, científicos, artísticos e do dia a
dia. Da crise dos mísseis aos primeiros passos da informática; dos Beatles ao
assassinato de Kennedy, da Apolo XI ao “mini”. Personalidades e pontos de
viragem num mundo em evolução acelerada. Estende-se a interpretação histórica e
sociológica ao nosso Pais. Como éramos, como nos fomos transformando. A
emigração para a Europa. A natalidade, com famílias de 10 ou mais filhos,
caminhando para a realidade dos nossos dias. O crescimento económico, a
melhoria nos dados estatísticos da saúde e educação. O advento da segurança
social. A guerra de África e o fim anunciado dum regime e da última parcela do
Império euromundista. Abordam-se o evoluir tecnológico e organizacional da
Marinha, desde o ensino aos novos meios. São evocados Comandantes, Professores
e Instrutores da Escola Naval, os Cursos contemporâneos e os nomes mais
sonantes dos cadetes RN que também passaram nessa altura pela mesma.
Segue–se
um dos aspectos mais imaginativos, escrito com verve q.b.: engenhosamente
personifica num fictício cadete Miguel Corte Real as vivências escolares, os
embarques de fim de semana, a praxe e os seus comodoros, o terrível enjoo dos
primeiros dias de mar e as rabecadas dos oficiais de quarto, os cheiros e os
ruidos a bordo, o tipismo dos marujos
mais antigos. O julgamento na passagem da linha e o impacto do uniforme, à
porta do Pic – Nic, nas raparigas que passam. Os desportos e namoricos do cadete
Corte Real desde a sua fase inicial de mancebo
até ao Juramento de Bandeira e promoção a Guarda – Marinha. Termina o capítulo,
intitulado “Como Foi” com dois epílogos em que, sexagenário e reformado, o
Oficial Corte Real revê a sua vida na Marinha e volta à Escola Naval já a
pensar nos netos…
Relatam-se
a seguir com pormenor as várias viagens de instrução e estágios, com um
justificativo desenvolvimento, cheio de peripécias, da viagem do Curso ao
Brasil. Passeios, recepções, paradas, bailes e pelo meio alguns afazeres mais
penosos…vulgo pincéis. Amores e
saudades. Exercício de desembarque, com madrugadas frias e dias quentes, muita
sede e grande esfalfa. Memórias gratas para quem as viveu…
Vamos
encontrar, prosseguindo a leitura, um dos achados que tornam esta obra muito
diferente de outras do mesmo género! Em vez das costumeiras pequenas
autobiografias subscritas pelos diferentes elementos do curso, este optou por
uma agenda! Agenda que como todas, começa no 1º dia de Janeiro e termina a 31
de Dezembro. E por cada dia, de diferentes anos, com início na primeira metade
do Sec XX e tendo o último registo -
infelizmente um óbito – em 2013, vão sendo referidas efemérides
relativas aos 76 camaradas do curso, desde as datas de nascimento dos próprios,
ou dos filhos ou dos netos. Quando casaram, iniciaram comissões, assumiram
Comandos ou Direcções. Ou fizeram o exame da 4ª classe, os prémios que ganharam
no liceu, foram operados. Condecorações, licenciaturas que concluíram, livros
que escreveram. Apenas factos. Dos que seguiram uma carreira naval, aos que
partiram para outra…
Termina
a obra com as reportagens, bem suportadas por fotografias, das comemorações dos
25, 40 e 50 anos onde a nostalgia aumenta à medida que os uniformes vão
diminuindo na tradicional fotografia de grupo.
Sem
referência a editor ou autores, presume-se que o livro seja obra colectiva,
pensada, coligida, organizada e concretizada por uma Comissão de Curso que
merece parabéns È um livro bonito, com textos, uns mais sérios outros mais
leves mas de inigualável qualidade.
Como
todos os Livros de Curso tem como primeiros destinatários os elementos e
famílias dos CR, mas pode perfeitamente ser lido ou folheado pelas visitas da
casa de cada um…
E
não seria mal pensado que fosse lido por todo e qualquer candidato à Escola
Naval. Traça um bom retrato do que era e o que viria a ser um Oficial de
Marinha.
Há
que preservar a memória."
Rui de Abreu
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