O (MEU) INÍCIO DE TUDO, NO PERCURSO CR
Eram tempos peculiares, aqueles. A guerra, reflectindo os interesses dos
poderosos, ganhava corpo nas nossas Províncias Ultramarinas, pondo à prova a
capacidade nacional de lhe fazer face, com um sucesso global que, confesso,
ainda hoje me provoca marcado sentimento de admiração.
A Índia, o Santa Maria, as posições de alguns actores da cena
internacional, dum modo geral convenientemente esquecidos dos seus lamentáveis
e pérfidos comportamentos além-fronteiras, constituíam-se como relevantes
factores de coesão para a essência da sociedade portuguesa (era rapazola,
ainda, estive em Alcântara, sou testemunha presencial do ATA do paquete, falo,
assim, não por ouvir dizer).
Era o tempo dos ideais, da ligação entre as pessoas, da música que
comandava muitos dos nossos sentimentos, da esperança e da galvanização na
construção de um futuro que haveria de, e teria que, valer a pena.
O Maio de 1968 adivinhava-se; enquanto não coincidia com o calendário,
construía-se e praticava-se, um pouco por toda a Europa, aqui também.
Concorri à Escola Naval. Não foi, esclareço, a primeira, segunda ou
terceira prioridades; foi a única - era
o ideal. Reconheço que, hoje, todo o cenário presente na nossa sociedade, nos
vectores económico, familiar e social e que envolve a nossa juventude, tem
grande responsabilidade, é praticamente decisivo, na atitude individual dos que
têm que definir o princípio do resto da sua vida. Mas não posso deixar de pôr,
muito, a tónica na violenta e preocupante, pela dimensão e rapidez, perda de
referências e valores das actuais gerações, numa Nação secularmente
estruturada, muito embora ciclicamente desgastada por inevitáveis períodos de
degradação.
Entretanto, cumpri a minha carreira, de mais de 40 anos, na Marinha; não
sou muito dado a conceitos de destino
traçado, nem a revisões do
passado visando identificar erros para recorrentemente lamentar tê-los
cometido.
E por isso, o meu balanço definitivo
passa pelo orgulho imenso por ter decidido pertencer a uma Organização que me deu, praticamente,
tudo na vida, que me ensinou e trabalhou em mim valores e princípios que
tentei, de forma por vezes talvez pouco hábil, passar aos meus descendentes, na
esperança de que, por estes assumidos, possam vir a contribuir para contrariar
o plano inclinado onde no presente deslizam as nossas raízes, os nossos objectivos,
o nosso futuro, como sociedade, como Nação.
2 comentários:
Caro Lourenço, já passadas 72 da publicação deste teu texto, não queria ser o primeiro a reagir dado ter tido a oportunidade de o ter visto antes dos outros do CR para a preparação do espaço para, neste nosso desnutrido blogue, dar à luz. Gostei muito da tua prosa a que já nos tinhas habituado e do teu relato e reflexões, comungando especialmente da preocupação da actual falta de valores.
Quando falei em 72 claro que se tratava de horas. E isto antes que o FSL me repreenda.
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