MEMÓRIAS
Aproveitando um período de fabricos da LFG “Centauro” que eu, o CR 43, comandava em Angola desde Junho
de 1974, vim em 1975 usar as férias a que tinha direito com a Família (mulher e
dois filhos) ao nosso Portugal Continental. Chegado a Lisboa na véspera do
célebre 11 de Março, dois ou três dias depois cruzei-me com um camarada de
Marinha que me felicitou por ter visto na Ordem da Armada a minha nomeação para
comandar um navio, mas que não se lembrava de qual. Agradeci, mas referi-lhe
que já estava a comandar há quase um ano em Angola e que seria eventualmente
alguma correcção à minha nomeação anterior, mas que de facto me causava alguma
estranheza. Perante a dúvida que o assunto me suscitou desloquei-me ao Clube Militar
Naval onde fui consultar as Ordens da Armada que ali estavam disponíveis. Pude
assim confirmar de facto que tinha sido exonerado da Centauro, sendo aí substituído
pelo CR 35 que também estava a
comandar outra LFP INOP, sendo eu nomeado sem qualquer indicação prévia para
comandar a “Ariete”, também em Angola, em substituição do camarada do nosso
Curso, o CR 8, que regressava á
Metrópole para outra função para que fora requisitado. Confesso que, apesar da
altura que vivíamos, o procedimento para me nomearem para outro comando sem a nível
superior nada me terem dito, me causou grande estranheza. (Só que, soube mais
tarde e já em Angola, a “Ariete” tinha nesse período uma Missão a S. Tomé e Príncipe
e necessitava de um Comandante e para tal foi nomeado provisoriamente o CR 35.)
Finalizadas as minhas férias regresso a Luanda, assumo o comando da “Ariete”
e tenho imediatamente uma outra Missão a S. Tomé, dias antes da independência
daquele novo País, para levar necessidades urgentes que ali faltavam, nomeadamente
combustível* e géneros. E o navio de guerra que ali se encontrava (entre os
navios que em comissão em Angola rodavam por S. Tomé cerca de 2 meses) era o
NRP “Pégaso” (LFG) comandado por outro camarada do nosso Curso, o CR 46. Estivemos ali alguns dias
atracados no mesmo cais (depois de uns dias fundeado por falta de lugar), quer
antes duma deslocação que fiz ao Príncipe - a primeira e única que ali fiz e
onde, atracado no cais, fiquei com o navio assente no fundo na baixa-mar já que
as amplitudes de maré eram altas e o meu navio de fundo chato -. Sensação que,
apesar de calculada e prevista, não foi muito agradável e deveras estranha.
Mas voltando a Ana Chaves e quase a terminar essa missão, ainda tive a
triste oportunidade de fotografar em "slides" a retirada de algumas estátuas dos locais
onde se encontravam e serem depositadas junto ao forte onde funcionava o nosso
Comando de Defesa Marítima e percorrer uma parte significativa da Ilha; este
percurso com um meteorologista que todos conhecem porque pertenceu aos Cursos
que nos antecederam na EN**, ex-NT e OC, para recolha de informações de alguns
pontos, especialmente em roças, algumas bem conhecidas. Para mim especialmente
curioso nesse percurso do seu trabalho, o levantamento dos papéis que foi
substituir e que se inseriam por baixo de esferas de vidro para registo da
intensidade do Sol.
Continuando ainda em Ana Chaves e tendo percorrido várias áreas da
Ilha com o Comandante da Defesa Marítima com quem usufrui duns excelentes
banhos de mar e mergulhos vendo numa fauna abundante peixes de várias cores, a
que se seguiu um duche junto à estrada numa queda de água fria, violento mas
reconfortante e em que estava algo desassossegado a pensar se não viria alguma
pedra a acompanhar a água. Da cidade recordo ainda uma quantidade significativa
de elementos da guarnição, o Imediato incluído e por insistência minha, que
tiraram nos poucos dias que ali estivemos a carta de condução de pesados-profissional,
com grande alegria da escola de condução por umas tantas receitas inesperadas.
Do Imediato (oficial RN) e conforme o seu relato após ter sido aprovado no
exame, contou-me que no exame de mecânica houve algumas perguntas a que, com o
desembaraço que lhe era reconhecido, respondeu: “Essa por acaso não sei, mas
sff faça-me outra.”.
Outros episódios se passaram nessa curta estada mas reservo para este
final a minha combinação com o CR Comandante
da Pégaso (um exímio pianista e o único que nesta data já não está entre nós)
para irmos jantar a um Restaurante local com alguma fama. Fomos de véspera como
era recomendado para assegurar mesa e encontrava-se fechado a essa hora, mas
alguém veio à porta atender-nos. Combinámos os pratos principais e já de
partida voltam a chamar-nos e perguntam: “Vão querer sobremesa?” Claro que sim,
respondemos. “É que nesse caso ainda tem de nos vir trazer hoje uma dúzia de
ovos e meio quilo de açúcar.”
E assim fizemos depois de voltar aos nossos navios e pedir aos nossos “cabos
de rancho” os seus préstimos.
Notas:
* Dessa Missão resultou que a empresa de combustíveis que tinha pedido
o apoio da Marinha para esse transporte urgente, pagou um determinado montante
à Marinha que esta doou a uma Instituição de religiosas (responsável por
crianças carenciadas e em cujas instalações chovia), para obras na cobertura.
Tendo sido uma obra rápida o CR43 não
se livrou de ser convidado para a inauguração, onde um coro infantil cantou uma
canção composta para o efeito de agradecimento à Marinha em cuja letra era várias
vezes repetida “as gotas de chuva que caíam do telhado”.
* *Mata Reis
04ABR2020
3 comentários:
Ainda me cruzei contigo em Angola, na tua versão "ARIETE" e eu na "Roberto Ivens".E ficámos lá até aos primeiros minutos de 11/11/75.
E ainda hoje tenho dificuldade em entender como é que a minha Fragata conseguiu acabar a Comissão, atentos os inúmeros "escolhos" que diariamente se perfilavam (ou eram perfilados...)na nossa "navegação PRECíana".
Tirei da asa de bombordo da ponte da "Ariete", ambos os navios (R.Ivens e Ariete) atracados no cais das "INIC" (Instalações Navais da Ilha do Cabo) uma foto desse último período em diapositivo que por o ter emprestado à Revista da Armada e ao Pinto Machado /Rodrigues da Costa (para o livro sobre a Reserva Naval) o Correio da Manhã me "roubou" sem minha autorização para um cartaz. Desse período e ainda no comando da Ariete (e já depois de o Estado português ter cedido a minha LDG ao Governo de Angola), guardo especiais recordações das últimas Missões dentro do Porto de Luanda na noite da Independência e depois de ter transportado para os navios mercantes as viaturas militares da segurança ao Palácio do Governador, em especial depois do tiroteio na zona do porto de Luanda em que houve quem erradamente pensasse que eram as forças do FNLA a entrar em Luanda, quando de verdade eram militares do MPLA a manifestar o seu contentamento.Fundear a LDG já depois da Independência e embarcar em botes da LDG, com toda a minha guarniçaõ, a bordo dos navios mercantes que nos trouxeram para Portugal é uma situação que não esqueço e consta no Livro de horas de navegação que entreguei no Arquivo de Marinha e de que fiz cópia.
Já vi a foto que referes. Encontrei-a no Anuário da Reserva Naval 1958-1975.
E dá bem a ideia da azáfama que na altura se vivia nas INIC (onde, nos ´meses mais próximos da independência, "aquartelámos" centenas de angolanos - homens, mulheres e crianças - naturais de regiões não alinhadas com o "correcto" poder político instalado e cujo destino, pós 11NOV, não seria auspicioso se vocês (LDG's), escoltados por nós ou pela corveta, não os tivessem levado, em tempo, para as respectivas origens).
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